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  • Foto do escritorNaiara Assunção

ORIENTALISMO: o que é isso? E o que tem a ver com a dança do ventre?

Quem já acompanha o Hunna há um tempo sabe que esse é um termo que utilizamos muito por aqui. Quem está chegando agora ainda vai nos ouvir falar bastante de nosso ícone teórico, Edward Said, e seu “orientalismo” pois muito utilizamos esse conceito em nossas analises sobre a história das danças que praticamos.


Mas afinal quem é esse Said e o que “orientalismo” significa?


Edward Wadie Said foi um pesquisador, professor universitário, crítico literário e militante da causa palestina nascido em Jerusalém, Palestina, no ano de 1935 (falecido em 2003, em Nova Iorque). Ele cursou a escola secundária no Egito e a universidade nos Estados Unido, tendo se tornado professor na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Esse autor desenvolveu o conceito de “orientalismo” no livro que no Brasil foi editado com o nome “Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente”, publicado em inglês pela primeira vez em 1978.


Edward W. Said e seu livro Orientalismo, publicado em português pela Companhia das Letras.

Nesse livro, Said definiu o conceito de orientalismo como um discurso (a partir da noção de “discurso” de Michel Foucault), ou seja, como um conjunto de representações e noções que determinaram o que era o “Oriente” a partir do Ocidente. Segundo ele, o orientalismo se constituiu como uma “disciplina extremamente sistemática por meio da qual a cultura europeia foi capaz de manejar - e até produzir - o Oriente política, sociológica, militar, ideológica, científica e imaginativamente durante o período do pós-Iluminismo.” (Said, 2013, p. 29). Isso significa que as ideias e imagens padrões que relacionamos com o "Oriente" até hoje são construções europeias que classificam o território oriental a partir de uma série de estereótipos e características depreciativas: exótico, misterioso, sensual, violento, primitivo, bárbaro atrasado, etc.


Segundo Said, tudo isso tem um propósito: o de justificar o colonialismo e o imperialismo de potencias mundiais sobre territórios da Ásia e da África! Ou seja, no momento específico do século XIX, quando as grandes potências europeias invadiram e colonizaram territórios africanos e asiáticos, o discurso orientalista serviu como uma desculpa moral para essa dominação. O Ocidente, ao criar imagens do "Oriente" como atrasado, selvagem, bárbaro, com homens violentos e mulheres submissas, justificou a "missão civilizatória" e o “fardo do homem branco” de levar a liberdade, o progresso, a democracia para os pobres coitados povos orientais atrasados e sem futuro.


E isso não teve fim no século XIX! Ou você nunca ouviu que árabes são todos “terroristas violentos” ou que mulheres muçulmanas são todas “coitadinhas e oprimidas”? Pois, é, essas são imagens extremamente orientalistas que seguem presentes na nossa cultura: no noticiário, nos meios de comunicação, em filmes, desenhos animados, novelas, músicas, etc. Tudo isso afeta a maneira como percebemos e entendemos a realidade e, como causa e como consequência, essas ideias acabam justificando incursões militares em países árabes e muçulmanos, tendo efeitos materiais nas vidas de muitas pessoas.


Presidente estadunidense George W. Bush, em 2001, justificando a guerra ao Afeganistão, alegando a intenção de "ajudar as mulheres e crianças afegãs" (ideia conhecida como "fardo do homem branco").

Percebam também que muitos desses rótulos orientalistas são direcionados à mulher oriental. Por um lado elas são vistas como submissas, oprimidas, e subjugadas pelo homem "árabe" violento que as obriga a usar “burca” (ideia que não leva em consideração a grande variação e significados de véus islâmicos e o fato de que a burca é utilizada apenas por mulheres de cultura Pashtun no Afeganistão e no Paquistão). Assim, elas são tidas como coitadinhas e sem identidade que precisam ser salvas pela cultura ocidental. Por outro lado, esse mesmo véu também é visto como sinal de mistério e sedução, que oculta algo mas que está disponível para ser desvelado pelo olhar masculino. Portanto, a outra face desse mesmo preconceito é caracterizar a mulher oriental como exótica, misteriosa, sensual e sexualmente disponível. E aí que entra a outra face dessa moeda orientalista: a dançarina do ventre sexy, vista meramente como uma fantasia sexual no imaginário ocidental.


Já deu pra começar a notar que a nossa imagem da “dançarina do ventre” ou da “dançarina oriental” tem tudo a ver com esses estereótipos orientalistas, né? Pois, acreditem ou não, a história da dança do ventre está diretamente ligada a esse imaginário! Afinal, o que hoje a gente chama de dança do ventre surgiu no século XIX a partir da popularização, fusão e transformação de danças tradicionais praticadas por diferentes grupos no Oriente Médio e Norte da África durante o período COLONIAL. Assim sendo, essa popularização foi coberta e recheada de discurso ORIENTALISTA. O próprio nome "danse du ventre" surgiu como uma denominação homogeinizadora, sexualizadora e MUITO orientalista para práticas de danças de vários grupos de dançarinas(os) tradicionais diferentes como as Shikhat (Marrocos), as Ouled Nail (Argélia), as Ghawazee (Egito), os Koçek (Turquia), etc. Por consequência, a "dançarina do ventre" se popularizou na Europa e Estados Unidos como um símbolo máximo do estereótipo da mulher oriental: exótica, misteriosa e sensual que dança para seduzir e satisfazer as fantasias eróticas do homem ocidental (se você quiser saber mais sobre a origem da dança do ventre, não deixe de ler o texto “Seria a Dança do Ventre uma “dança milenar”? Sobre as “origens” da dança do ventre”).


Quadro "La danse de l’almée" (A Dança da Almeh) do pintor orientalista francês Jean-Léon Gérôme (1863) que serviu para popularizar o termo "danse du ventre" na Europa e EUA.

Será que nós mesmas(o) não carregamos e reproduzimos esses preconceitos? Nas palavras que usamos para definir o oriente? Na maneira que falamos sobre e apresentamos a nossa dança? Na forma como imaginamos e classificamos a mulher oriental? Se você ficou com essa dúvida, não se preocupe: o orientalismo, como qualquer preconceito, se combate com conhecimento! E é para isso que estamos aqui. Se você gostou desse texto, compartilhe e não deixe de ler os demais textos

aqui do blog! E, claro, sempre cite a fonte (as pesquisadoras agradecem).



Bibliografia


ASSUNÇÃO, Naiara Müssnich Gomes de (2021). As origens da "dança do ventre": Perspectivas críticas e orientalismo. 2021 95 f. TCC (Licenciatura). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2021.


BASTOS, Laísa Marra de Paula Cunha. Fetiche Neo-orientalista. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 e Congresso Mundos de Mulheres 13, 2017, Florianópolis. Anais Eletrônicos.


HAWTHORN, Ainsley. Middle Eastern Dance and What We Call It. Dance Research 37.1 (2019): Edinburgh University Press, 2019. p. 1–17.


JARMAKANI, Amira. Imagining Arab Womanhood: The Cultural Mythology of Veils, Harems, and Belly Dancers in the U.S. New York: Palgrave Macmillan, 2008.


PASCHOAL, Nina. Expressões orientalistas na França napoleônica: Desenvolvimento de artes e ciências após a Campanha do Egito. Faces de Clio, [S. l.], v. 7, n. 13, 2021.


SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.


SHAHEEN, Jack. Real bad Arabs: How Hollywood vilifies a people. New York: Olive Branch Press, 2001.

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