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  • Foto do escritorConvidada: Lady Agatha

Porrajmos no espetáculo “Horizonte Cigano”

A importância da pesquisa histórica no desenvolvimento da cena


Por Lady Agatha

São Paulo, 10 de Dezembro de 2020


Lady Agatha é jornalista, atriz, professora e pesquisadora em Danças Ciganas, professora de expressão corporal e desenvolvimento cênico. É membro do Conselho Internacional de Dança (CID), um órgão pertencente à UNESCO e integrante da diretoria da seção CID da cidade de Campinas, em 2019 foi convidada a integrar o corpo associativo da Câmara Oficial Espanhola de Comércio do Brasil.


Em 20 de Novembro de 2019 levou ao palco do Teatro Santo Agostinho, em São Paulo, o seu primeiro espetáculo chamado “Horizonte Cigano”, que apresentava a diversidade cultural dos povos ciganos através da música, dança e teatro.


Em meu trabalho dentro da sala de aula procuro ao máximo levar a contextualização histórica e real sobre a Cultura Cigana e no “Horizonte Cigano”, não seria diferente. O ápice do espetáculo foi a cena “Porrajmos: O Holocausto Cigano”.


Finalizamos a cena da Hungria de uma forma muito alegre e divertida, de repente “buuumm” blackout geral no teatro, foram aproximadamente 30 segundos de encenação no escuro, representando a chegada dos ciganos em Auschwitz-Birkenau, com o barulho do trem, as vozes do soldados da nazistas (filme a Lista de Schindler) e os gritos da personagem, uma mãe desesperada ao tirarem o filho recém-nascido de seus braços.


Essa primeira parte foi inspirada em um sonho que por muito tempo me acompanhará e a necessidade de trazer um “choque de realidade” à plateia, foi o que me motivou a construção da cena, devido ao certo “imaginário popular” acerca do Povo Cigano, (o povo mais alegre que é sinônimo de liberdade) não foi à toa que ao escrever o texto da personagem conteve a seguinte frase “falam do nosso povo em alegria, cadê ela agora? falam do nosso povo em liberdade! Isso é liberdade? (mostrando a manta que envolvia seu filho)”.


Seguindo para a segunda parte da performance, minhas alunas também estavam no palco cobertas por tecidos cinzas, neste há uma referência ao Memorial do Holocausto, em Berlim (Alemanha); após o declinio da personagem, elas começam a levantar, jogando o tecido ao chão, todas estavam com vestidos brancos e se aproximam da personagem que “desperta” abraçada a manta.


A terceira parte é a transformação da personagem em uma das “mulheres de branco” e uma coreografia solta acontece, como forma de lamento, súplica e um pedido de socorro. No momento que esticam as mãos à frente, como se quisessem tocar algo é uma referência a câmara de gás. A quarta e última parte é desenvolvida com a aproximação de todas que seguram umas nas mãos das outras e lentamente se abaixam, gritando e suspirando de uma forma densa, representando a morte pelo gás. O encerramento da cena foi com a banda ”Gipsy Balkan”, tocando o hino da romani “Gelem, Gelem” que faz referência ao Porrajmos.


A construção dessa cena não foi algo fácil, eram muitos detalhes, pois cada elemento tinha um sentido de estar ali e acontecer, desde a construção da personagem, o tom vocal, o desenvolvimento cênico de cada uma das alunas, a iluminação. Fiquei apreensiva ao final, mas quando desci as escadas do teatro para confraternizar o retorno já estava ali, o público comentará o sucesso do espetáculo, principalmente da cena do Holocausto. Tudo isso foi a realização de um grande sonho.


Em meu método de ensino (presencial e online), seja no Curso de Aprofundamento em Danças Ciganas ou nas Turmas Regulares, incentivo à pesquisa e a dedicação nos estudos, afinal o conhecimento histórico é fundamental para compreender as Danças Ciganas, pois falamos não apenas de uma dança, mas sim da vivência e da manifestação cultural de um povo que adquiriu uma identidade particular de acordo com as regiões onde se estabeleciam.


Durante a cena do Holocausto todos estavam envolvidos na contextualização histórica do Porrajmos, não apenas quem estava comigo em cena, mas também todos os alunos e as participações especiais. Spoiler Alert: Para o próximo espetáculo pretendo aprofundar mais esse recorde histórico, levando ao palco a Resistência Romani, de 16 de Maio de 1944.


É curioso a quantidade de pessoas que não conhecem a história dos ciganos durante a Segunda Guerra Mundial, ouvi após o espetáculo frases como “nossa, mas eu não sabia que os ciganos foram perseguidos na Segunda Guerra”, aquilo me chocou e observei que o comentário era recorrente, inclusive por pessoas do “meio da dança cigana”.


Durante minha caminhada dentro da pesquisa e como professora de Danças Ciganas, a minha maior inquietação é este “imaginário popular”, o estereótipo dado aos povos ciganos, que por muitas vezes se torna um véu de ilusão, onde se presume que a cultura cigana é repleta de flores, cores e alegrias e não é bem assim, na verdade, muito pelo contrário, pois a história deste povo é marcada por uma diáspora, por exílio, preconceitos persistentes até hoje (principalmente na europa, onde são tratados como marginais), guerras, desafios sociais, enfim. Por outro lado esse tal "imaginário" é, de uma certa forma, a porta de entrada para o conhecimento da Cultura Cigana, e costumo sempre dizer que nesta porta lá estou em minha função de desmistificadora, este é meu papel como professora de Danças Ciganas e ao dirigir um espetáculo com este tema.



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